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Começo este artigo com uma "nota técnica": no Brasil, os principais índices de preços (como o IPCA) são calculados com base no critério de Laspeyres (nome do seu criador, o alemão Etienne Laspeyres), com algumas modificações. Esse índice é estruturado a partir de uma pesquisa de orçamentos familiares (POF), atribuindo-se pesos a bens e serviços pela sua importância numa hipotética "cesta de consumo", com ponderações em um ano-base. Isto é, mede o custo dos gastos no ano-base, a preços do ano dado (existe outro critério, de Paasche, com ponderações feitas pelo ano dado). Ressalte-se que a "cesta básica" não é um índice de preços, embora possa estar contida nele, e sim uma comparação de preços de uma lista de produtos (alimentos), de um mês/ano para outro.
Este esclarecimento inicial se faz necessário para que o leitor (a) possa entender o alcance da divulgação, pelo IBGE, da atualização das ponderações do índice oficial da inflação no país, o IPCA, que reflete a cesta de consumo de famílias com rendimento mensal de até 40 salários. Fazia cerca de 10 anos que o IBGE não realizava uma nova POF. Feita entre 2017 e 2018, a pesquisa detectou mudança no padrão de gastos dos brasileiros. Para entrar no cálculo do índice, os produtos e serviços precisam representar mais de 0,7% na despesa total das famílias. Abaixo deste percentual, os produtos são considerados insignificantes e não entram no cálculo.
Em termos de grupos do índice, pela primeira vez, os gastos com transporte (peso de 20,8%) ultrapassaram os gastos com alimentação (peso de 18,9%). Neste caso, é importante notar que, por causa da faixa de renda mais alta do IPCA, o peso relativo da alimentação tende a ser mais baixo do que para faixa de renda de 6-8 salários-mínimos, como o INPC ou o próprio ICVSM. Mesmo assim, não deixa de ser uma novidade saber que os brasileiros estão gastando mais para se locomover do que para se alimentar. O terceiro grupo de maior peso na atualização do IPCA é o da habitação, que representa 15,1% do total de gastos das famílias. Somados estes três grupos (transporte, alimentação e habitação) consomem mais da metade do orçamento doméstico.
O ideal é que seja realizada uma nova pesquisa de orçamentos familiares a cada cinco anos. Isto porque, com a aceleração do progresso tecnológico, os hábitos dos consumidores mudam também rapidamente. Alguns produtos perdem importância relativa e outros que não existiam há pouco tempo, assumem o seu lugar. A atualização da POF fez com que fossem incluídos no IPCA, por exemplo, transporte por aplicativo, Netflix, produtos de higiene para animais domésticos, combos de telefonia-internet-tv por assinatura, conserto de celular, conserto de bicicleta, serviços relacionados à estética, dentre outros.
Nota-se também mudanças de hábitos das famílias, como a substituição do tradicional arroz com feijão por alimentos prontos, de preparo rápido. Alguns itens, que eram consumidos há 10 anos, sequer foram encontrados pela pesquisa. Outros perderam importância, como aparelhos de DVD, antena de TV, máquinas fotográficas e assinaturas de jornal imprenso. Nestes dois últimos casos, cabe ressaltar que houve apenas uma mudança de veículo: as máquinas fotográficas estão sendo substituídas pela câmera do celular; os jornais impressos pelas edições digitais. Nada contra. Não há como deter o progresso tecnológico. Mas, às vezes, dá a impressão de que tudo está andando depressa demais!